Urze da serra (imagem obtida na net)
Deste longe vejo o que antes não via,
Estando perto…
Há cheiros no ar que só agora
Sinto
Vozes grinalda que vingaram os silêncios
Para acordar as auroras de todos os dias
Recados penitentes a trilhar caminhos
Que libertavam do purgatório
Eremitas luzeiros como archotes crentes
Que sinalizavam os sentimentos
Separando o trigo do joio
Soluços de aragem que sacudiam as copas
Esguias arremetendo ao azul
Líquidos húmus escorrendo das crostas
Como sangue de regras
Sibilinos sons de amálgama ou caldo
Que se fundem em oratórias de graças
Medo e superstições, unguentos e preces,
Fé viril e força angelical
Faces vítreas onde se espelham as almas
Que trazem gente em cada despojo
Trago carreiros suspensos na solidão
Das memórias
E retratos de fogo talhados na urgência
Do retorno ao chão
Para sentir-me quinhão!
Que nome te darei, saudade?
Em 05.dez.2010
M A C
Lembrei-me da urze
porque me lembrei da serra
dos montes e vales
do ar puro e das pedras rudes
dos coelhos bravos e das borboletas
dos carreiros estreitos e do mato denso
de pequenas fontes de fios cristalinos
e de poças eternas guardiãs da chuva
que dessedentava as gargantas secas
no pico do verão.
Lembrei-me da urze
porque me acudiu a memória
dos pinheirais zoando
à passagem do vento norte
da caruma seca e das pinhas
do odor intenso a resina
e dos cogumelos alapados
irrompendo do humus
da terra areenta.
Lembrei-me da urze
porque me invadiu o ribeiro
as rãs coachando
as lagartixas fura vidas
as cobras e os lagartos langorosos
as formigas rabinas
na lufa-lufa duma azáfama
sem horário nem escala
as libélulas elegantes
numa dança imortal de tão leve.
Lembrei-me da urze
e por ela acabei por me alcandorar
aos cumes do tempo descalço
dos risos desdentados
dos calções passajados e puidos
das mãos e dos corpos tisnados
dos sons naturais da terra e da gente
dos dias prenhes de esforço
e das noites silenciosas de descanso
Lembrei-me da urze...
e de tudo o que puxado o fio
se desata sem nós cegos
num mundo de doce e amargo
de luz e sombras
de risos e lágrimas
de ficar quedo e nunca parar
de amar
com despudor e orgulho
o que se ama apenas porque sim.
Em 02.Nov.2009, pelas 19h30
Imagem: Google