Memórias da urze e muito mais
Lembrei-me da urze
porque me lembrei da serra
dos montes e vales
do ar puro e das pedras rudes
dos coelhos bravos e das borboletas
dos carreiros estreitos e do mato denso
de pequenas fontes de fios cristalinos
e de poças eternas guardiãs da chuva
que dessedentava as gargantas secas
no pico do verão.
Lembrei-me da urze
porque me acudiu a memória
dos pinheirais zoando
à passagem do vento norte
da caruma seca e das pinhas
do odor intenso a resina
e dos cogumelos alapados
irrompendo do humus
da terra areenta.
Lembrei-me da urze
porque me invadiu o ribeiro
as rãs coachando
as lagartixas fura vidas
as cobras e os lagartos langorosos
as formigas rabinas
na lufa-lufa duma azáfama
sem horário nem escala
as libélulas elegantes
numa dança imortal de tão leve.
Lembrei-me da urze
e por ela acabei por me alcandorar
aos cumes do tempo descalço
dos risos desdentados
dos calções passajados e puidos
das mãos e dos corpos tisnados
dos sons naturais da terra e da gente
dos dias prenhes de esforço
e das noites silenciosas de descanso
Lembrei-me da urze...
e de tudo o que puxado o fio
se desata sem nós cegos
num mundo de doce e amargo
de luz e sombras
de risos e lágrimas
de ficar quedo e nunca parar
de amar
com despudor e orgulho
o que se ama apenas porque sim.
Em 02.Nov.2009, pelas 19h30
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